terça-feira, 24 de junho de 2014

Resenha de Gonçalo Junior - Depois da Escuridão

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Há 35 anos, o mineiro Mozart Couto, de Juiz de Fora, desenha histórias em quadrinhos de terror. E de outros gêneros também – como ficção científica, fantasia, erótico, futebol, música, infantil etc. Horror, seu gênero preferido, predominou todo esse tempo. Sobrevive assim, de uma arte mal remunerada e raramente valorizada, além de fazer capas de livros, como alguns volumes da coleção de romances policiais da Record. Desenhou roteiros de dezenas de autores e também criou os seus. 
Raras foram as editoras de gibis nesse período que não publicaram trabalhos seus, enquanto muitos colegas migraram para outros meios, como publicidade e livros didáticos. Couto passou pelos selos Grafipar, Vecchi, Maciota, Press, D-Arte, Escala, Opera Graphica, Kalako, Ondas, Nobel, Criativo e muitas outras. Nelas, construiu uma carreira incansável, sempre à mercê das instabilidades de um mercado frágil e ameaçado de desaparecer por causa da internet – o de gibis. Fez milhares de páginas com tipos aterrorizantes como lobisomens, vampiros, zumbis e múmias. Publicou na europa por dez anos e nos EUA outros três. Tudo isso, porém, parece ter sido apenas um ensaio para que em 2014 ele lançasse seu melhor e maior trabalho, a obra-prima “Depois da Escuridão”, da editora Atomic, de Porto Alegre.
O volume, em formato de álbum e em preto e branco, acaba de ser colocada à venda, com tiragem reduzida. São duas histórias que formam as 52 páginas da edição. Na primeira, duas crianças são atormentadas por monstros que parecem zumbis em decomposição e seres mutilado, e tentam pegá-las a qualquer custo. Uma delas é cega. Não podem sair de casa e vivem de tentar impedir que as criaturas entrem e as arrastem para as trevas. Na segunda, a bela jovem Sandra vive aterrorizada desde criança com visões de pessoas mortas de modo traumático – como suicídio por enforcamento, por exemplo. Qualquer outro detalhe de ambas estragaria seus surpreendentes desfechos.
Uma diferença fundamental nesses trabalhos de Couto é, claro, a exuberante qualidade de seu traço, aos 56 anos de idade. Enquanto outros artistas que fazem desenhos costumam entrar em declínio depois de tanto tempo de produção, seu traço nunca esteve tão exuberante e em grande forma quanto agora. Com o detalhe relevante de ele ser um mestre na arte-final com pincel, uma perícia que poucos dominam no uso do nanquim sobre o papel. Couto é um artesão da imagem, daqueles que se embriagam com o cheiro da tinta e o correr dos pelos do pincel e a fixação do preto sobre o papel. Neste trabalho a primeira parte da HQ foi finalizada no computador, usando software livre (https://www.youtube.com/watch?v=U_JUotloYv4).
Se não bastasse o espetáculo visual que ele dá ao leitor em “Depois da Escuridão”, as duas histórias fogem completamente dos clichês tão desgastados dos quadrinhos de terror, que costumam terminar com uma pegadinha no sentido de dar susto no leitor – fórmula explorada à exaustão desde as primeiras revistinhas de terror, lançadas a partir de 1950 – no Brasil, pela extinta La Selva, nas páginas da revista “O Terror Negro”. Não espere nada perto disso. A resolução de cada enigma vem antes para que a trama fique mais amarrada.

Prazer raro para quem gosta desse tipo de história, “Depois da Escuridão” custa apenas R$ 21,90. Como sua distribuição e venda seguem um esquema alternativo, saiba como adquiri-lo pelo e-mail fanzinequadritos@gmail.com, com o editor Marcos Freitas. E visite o site para conhecer o trabalho desse artista que é, para muitos, o maior desenhista brasileiro: www.mozartcouto.com.br.

Um comentário:

  1. Acabo de ler Depois da Escuridão! FABULOSO!!!!
    A influência do "espiritismo", regressão de vidas passadas, o aspecto onírico... maravilhoso!
    A arte dispensa comentários, fiquei parada em cada página por vários minutos apreciando.
    Expressivo, sombrio, assustador, belo, forte!
    Penso que ficou mote para uma possível continuação!!
    Fiquei com vontade de "quero mais"!

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